Resumos das Mesas-Redondas

 

Então, vem uma VS

Profa. Dra. Jussara Abraçado - UFF

 

De acordo com Hopper & Thompson (1980), a transitividade é um universal linguístico, determinado discursivamente, que se refere à transferência de uma ação de um agente para um paciente, manifestando-se num contínuo que envolve um complexo de dez traços sintático-semânticos, o que revela sua natureza escalar. Ainda de acordo com os autores, a transitividade está associada a uma função discursivo-comunicativa que refletiria num discurso narrativo a maneira como o falante estrutura, em termos de planos (figura e fundo), o seu discurso. Sob tal viés, os autores correlacionam a alta transitividade à figura, atribuindo uma importância maior às informações contidas neste plano. A partir de então, propõem uma associação entre figura, sequencialidade e importância na narrativa. Alguns estudos posteriores, contudo, têm demonstrado ser mais complexa a relação entre transitividade e planos discursivos. McCleary (1982), por exemplo, constatou haver relação entre transitividade e sequencialidade, mas não, entre sequencialidade e importância, concluindo que só se pode correlacionar transitividade e figura se esta última for caracterizada apenas pelo traço da sequencialidade temporal. Silveira (1990), por sua vez, observou que os planos discursivos não são bidimensionais e postulou a existência de uma hierarquia de figuricidade. No que diz respeito às construções VS no Português do Brasil, os estudos, em geral, apontam para seu baixo grau de transitividade e, paralelamente, para suas ocorrências em plano de fundo. Neste trabalho, desenvolvido com base em dados extraídos da Amostra Censo (Projeto Censo da Variação Linguística no Rio de Janeiro, PEUL/UFRJ), pretende-se demonstrar que algumas construções VS participam, juntamente com outras construções mais transitivas, da constituição da cadeia de fatos narrados no plano da figura, o que pode ser constatado, entre outras evidências, através da presença de elementos sequenciadores, como , então e depois, antecedendo tais construções.   

   

Conectivos e gramaticalização

Prof. Dr. Mário Eduardo Martelotta - UFRJ

 

     A proposta da minha apresentação é demonstrar que a trajetória de mudança por gramaticalização espaço > (tempo) > texto (Heine et alii, 1991) constitui uma força cognitiva que atua no desenvolvimento de alguns conectivos portugueses. Seguindo essa trajetória, elementos dêiticos espaciais passam a assumir função de conectivo, podendo, ou não intermediariamente assumir função de circunstanciador temporal. Entender essa trajetória como uma força cognitiva significa caracterizá-la como o reflexo do comportamento, no ato concreto da comunicação, das restrições cognitivas associadas à captação de dados da experiência, bem como ao acesso, utilização e transmissão adequada desses dados. Sendo assim, essa trajetória se manifesta de modo atemporal, explicando a polissemia dos conectivos em diversas fases da evolução da língua.

 

 

                Articulação clausal: categorias verbais e seleção preposicional

Profa. Dra. Eliete Figueira Batista da Silveira - UFRJ

 

A análise das categorias verbais (modalidade, manipulação e cognição) e integração clausal das completivas preposicionadas revelou a alta produtividade, na Língua Portuguesa e em suas diferentes variedades (Português Brasileiro, Europeu e Moçambicano), de orações na forma não-finita em relação às finitas. A articulação de oração matriz e completiva realiza-se, pois, frequentemente por meio de preposição. Com base nos postulados da Teoria Funcionalista givoniana (1984) que permite a observação do processo de gramaticalização também no âmbito clausal, pretende-se, nessa sessão, apresentar o comportamento das preposições como elemento articulador de cláusula, bem como mostrar a integração entre matriz e completiva. Nota-se, primeiramente, que o número de formas preposicionais é bastante reduzido, já que apenas A, COM, DE, EM, POR e PARA aparecem no corpus. Outra constatação consiste no fato de que o uso dessas preposições ocorre com frequências bastante desiguais para cada forma preposicional. Além disso, há uma evidente relação entre categoria verbal presente na oração matriz e tipo de preposição que introduz a completiva encaixada, fato que demonstra: a) o alto grau de integração da completiva e b) o estágio avançado de gramaticalização das preposições mencionadas.

  

  Motivação discursiva no uso de conectivos e na articulação de cláusulas do português

Profa. Dra. Mariangela Rios de Oliveira - UFF/CNPq/D&G

 

O foco de nossa apresentação reside na relação motivada entre aspectos pragmático-discursivos, no nível das relações textuais mais amplas, e níveis e tipos de integração oracional, no nível gramatical mais estrito. Temos observado que nem sempre o cline de integração oracional proposto pela vertente teórica funcionalista, representado no já clássico continuum parataxe > hipotaxe > subordinação (Hopper; Traugott, 1993), corresponde, na organização dos textos, à trajetória que vai do menos ao mais integrado, em termos semântico-sintáticos. Para ilustrar nossa assunção, partimos de textos ou ainda de sequências tipológicas (Marcuschi, 2002) em que prepondera a marca opinativa, o modo persuasivo com que o locutor procura atuar no convencimento do interlocutor. Nesses ambientes, por conta de estratégias relativas a inferências sugeridas (Traugott e Dasher, 2005), recursos gramaticais são redimensionados e reelaborados para fins pragmáticos – uma dessas estratégias é justamente uma certa “desvinculação” de cláusulas, com vistas à instauração de efeitos de sentido capazes de atingir o outro. Pesquisas desenvolvidas atualmente no D&G/UFF, como as de Amorim (2008) e Rosário (2009), têm demonstrado, respectivamente, que o uso de adjetivas e de correlativas é sensível às estratégias de subjetificação e de intersubjetificação (Traugott e Dasher, 2005), e que, por conta de tais pressões, o tratamento estritamente gramatical não é capaz de dar conta da abordagem interpretativa de tais usos em seus contextos efetivos de produção.

 

                                           Marcas de subjetividade em conjunções condicionais

         Profa. Dra. Lilian Ferrari - UFRJ

 

Um dos aspectos mais controversos sobre a semântica das estruturas condicionais é a contribuição do significado da conjunção “se” para o significado global da construção. Em análises filosóficas clássicas, a conjunção é tratada como um conector lógico associado à implicação material. Entretanto, estudos linguísticos posteriores demonstraram que condicionais logicamente corretas podem não ser aceitáveis no uso cotidiano da linguagem. No âmbito da Linguística Cognitiva, pesquisas sobre condicionais em inglês têm apontado que a conjunção “if”, associada ao tempo verbal, sinaliza a postura epistêmica do falante em relação ao evento descrito na prótase, que pode ser neutra ou negativa (Fillmore, 1990; Dancygier e Sweetser, 2005). Dancygier (1998) argumenta que a referida conjunção é um marcador de não-assertividade, instruindo o ouvinte a tratar a suposição sob seu escopo como não tendo sido asseverada de modo usual.

Na esteira dos estudos cognitivo-funcionais mencionados acima, o presente trabalho busca enfocar as conjunções condicionais em português, com o objetivo de investigar a contribuição semântica das conjunções “se”, “caso” e “a menos que” para o significado global de condicionalidade. Com base na Teoria dos Espaços Mentais (Fauconnier, 1994, 1997), a pesquisa partirá da noção de subjetividade, definida como ascensão de informação na configuração de espaços (Ferrari e Sweetser, 2010), para verificar a hipótese de que as conjunções condicionais sinalizam diferentes nuances da perspectiva implícita do falante.

 

 

Os esquemas de junção na definição das Tradições Discursivas:

aplicação de metodologia para corpora diacrônicos

Profa. Dra. Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ

Profa. Dra. Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi - UNESP/SJRP

 

Com a introdução do paradigma das Tradições Discursivas nos estudos da Linguística Românica, em particular, nos estudos históricos do português brasileiro no âmbito do Projeto de História do Português Brasileiro (PHPB), vislumbra-se uma perspectiva teórico-metodológica diferenciada de abordagem dos fenômenos de mudança linguística, ainda que a própria noção de tradição discursiva seja objeto de problematização, quer pela fronteira nem sempre nítida com gênero, quer por suas aplicações e consequências para a teoria da linguagem.

O estatuto privilegiado das tradições discursivas nos estudos históricos advém principalmente do fato de representar uma tentativa de minimizar as dificuldades de interpretação de fenômenos tipicamente “textuais” que podem mascarar qualquer descrição diacrônica. Assim, dentre as aplicações da noção de tradição discursiva para os estudos da linguagem está o enfrentamento de um dos maiores desafios metodológicos do linguista historicista, que é aquele da obtenção de um corpus representativo.

Kabatek (2006) defende a importância da diferenciação das tradições discursivas nos textos investigados, uma vez que as mudanças não acontecem em todas as modalidades de texto, mas em certas tradições que são responsáveis por condicionar o uso de meios linguísticos específicos. Para tanto, o autor elege a junção como eixo de caracterização e distinção das tradições discursivas. A hipótese do autor é a de que os esquemas de junção de um texto – juntores que contêm e frequência relativa – são sintomas para determinar a tradição discursiva a que pertence (KABATEK, 2006). 

Nesse cenário, o propósito deste trabalho é contribuir para o refinamento dessa metodologia de apreensão das tradições discursivas. Nossa questão central é avaliar o alcance da proposta de Kabatek (2006) acerca da correlação entre tradição discursiva e junção, em diferentes amostras do português brasileiro. A análise se fundamenta em um modelo funcionalista de combinação de orações que pressupõe a não-discretude das categorias e que prevê o cruzamento entre parâmetros sintáticos e semânticos. 

Os resultados preliminares sinalizam: (i) que as possibilidades variáveis de realização dos juntores quanto à arquitetura sintática e relações semânticas, em termos quantitativos e qualitativos, constituem sim um fenômeno privilegiado, embora não o único, para definição das tradições discursivas; (ii) que os textos não se conformam à tradição discursiva de modo mecânico, com a simples transposição de regras, mas há um “núcleo duro” e possibilidades de variação e deslocamentos; e, (iii) que a metodologia ajuda a distinguir entre as regras discursivas (índices da tradição discursiva) e as regras idiomáticas (índices da norma linguística).  

 

 

Uso(s) de conjunções e combinação hipotática de cláusulas

Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues - UFRJ

 

As análises das relações estabelecidas entre as orações têm recebido sucessivas críticas, principalmente, por se restringirem, em sua grande maioria, apenas ao nível sentencial e, ainda, por condicionarem, muitas vezes, a identificação da relação ao tipo de introdutor das estruturas.

No âmbito da subordinação adverbial, normalmente, vincula-se o conteúdo semântico da oração à presença de um determinado conectivo. O fato de os alunos de Ensino Fundamental e Médio, ainda hoje, serem levados a memorizar listas de conjunções e de suas respectivas circunstâncias comprova tal fato.

Evidências como essas permitem que se repense o estudo das orações na sintaxe tradicional pautando-se nas hipóteses de que as relações estabelecidas entre as orações extrapolam o nível sentencial e de que as conjunções funcionam como índices dessas relações, mas não necessariamente as determinam. 

Sendo assim, ao se apresentar o Projeto Uso(s) de Conjunções e Combinação Hipotática de Cláusulas, com base nas hipóteses antes explicitadas, objetiva-se divulgar as pesquisas desenvolvidas no âmbito desse Projeto, que, partindo da análise tradicional, encontrou na perspectiva funcionalista o aparato teórico necessário para a análise das orações em seu contexto efetivo de uso e a serviço da interação.

Nesse sentido, a utilização de diferentes corpora ajuda a perceber a dinamicidade dos usos linguísticos e a multifuncionalidade desses itens chamados tradicionalmente de conjunções.

As pesquisas tanto de diferentes tipos de orações quanto de diferentes itens que as encabeçam, desenvolvidas e em desenvolvimento no âmbito do Projeto, vêm evidenciando alguns usos não considerados pela abordagem tradicional, além de demonstrar o quão frutífero é o estudo da sintaxe que contempla os níveis textual e contextual identificando as relações estabelecidas entre as orações pelo resultado da articulação de umas com as outras e não, simplesmente, pela presença de um tipo de conector.

 

 

                       Conceitos funcionalistas: referências para um projeto de pesquisa

Ivo da Costa do Rosário – UFRJ

 

A partir da segunda metade do século XX, constatamos o surgimento de uma forte tendência centrada na análise da língua em situações reais de uso. Assim, diversos estudiosos passaram a encetar pesquisas com bases mais empíricas, com maior foco nos contextos linguístico e extralinguístico, e não em modelos pré-fabricados, criados pela mente dos analistas. Em outras palavras, deslocou-se a atenção da forma (pólo formalista) para a função (pólo funcionalista).

Sandra Thompson, Paul Hopper, Talmy Givón, Elizabeth Traugott, entre outros, progressivamente foram elaborando as diretrizes básicas do que denominaríamos mais tarde funcionalismo linguístico de vertente norte-americana. A esses, podemos associar Dik, Halliday, Lehmann e outros pesquisadores igualmente funcionalistas, mas seguidores de outras vertentes dentro desse grande pólo de investigação linguística.

A nova perspectiva teórica passou a observar a gramática em constante mutação, o que, grosso modo, caracteriza o paradigma da gramaticalização, que tem sido um dos pontos centrais do funcionalismo. Além disso, os conceitos de discursivização, iconicidade, pancronia, marcação, transitividade, planos discursivos e informatividade passaram a funcionar como coadjuvantes, aliados a uma metodologia essencialmente baseada na análise de diversos corpora e uma classificação que rompe com as dicotomias, ou seja, que se utiliza de continua diversos para as propostas de categorização em torno de protótipos.

Servindo-se desse aparato teórico, no âmbito do projeto Uso(s) de Conjunções e Combinação Hipotática de Cláusulas, destacamos principalmente os processos de articulação de cláusulas, que rompem com a tradição binarista de considerar apenas a subordinação e a coordenação como processos canônicos. Assim, uma de nossas propostas visa à enearização desses conceitos, visto que dispomos de provas empíricas de que há outros processos intersentenciais não investigados pela gramática tradicional. Nosso objetivo, portanto, é discutir esses conceitos e avaliar a sua aplicação à Língua Portuguesa, do ponto de vista da análise do uso linguístico.

 

                                      Articulação de Cláusulas nos Contextos de Uso

Profa. Dra. Elenice Santos de Assis Costa de Souza - UFRRJ

 

A palavra “uso”, presente no título do Projeto (“Uso(s) de Conjunções e Combinação Hipotática de Cláusulas”), tão recorrente em diversas obras consideradas funcionalistas, pressupõe o trabalho com dados reais coletados de corpora diversos. Pressupõe, ainda, a observação do funcionamento dos gêneros textuais uma vez que a interação, de fato, se faz por meio deles, com todas as implicações envolvidas nesse processo. Ao observar empiricamente os modos de articulação das cláusulas nos textos e nos contextos de situação - nos termos da Gramática Sistêmico-Funcional -, constata-se a necessidade de ampliação e/ou reformulação de alguns conceitos arraigados na Tradição Gramatical, ou mesmo no seio de outras correntes teóricas. Constata-se, também, a multifuncionalidade de certos vocábulos empregados nesse processo com função conectiva, coesiva. Assim, sem perder de vista a preocupação com o ensino da Língua Portuguesa, os trabalhos que se vêm desenvolvendo no âmbito do referido Projeto têm-se debruçado, por exemplo, sobre o emprego dos conectivos como e quando na perspectiva da multifuncionalidade, bem como sobre as formas de combinação de cláusulas adverbiais e relativas na perspectiva do contínuo oracional que vai da parataxe à subordinação. Dentro de cada espécie de cláusula, as pesquisas têm demonstrado a manifestação do fenômeno da prototipia tendo em vista que também no seio destas há casos limítrofes comprovando, mais uma vez, que as categorias não são discretas. Sob essa ótica, têm sido examinadas as cláusulas adverbiais condicionais, consecutivas e modais, com a ressalva de que a última não é contemplada pela NGB. Também as cláusulas relativas, que transitam da hipotaxe para a subordinação, vêm sendo analisadas na mesma perspectiva. Resgata-se, ainda, a discussão sobre justaposição e correlação enquanto procedimentos diferenciados da parataxe, da hipotaxe e da subordinação. E, por fim, a gramaticalização de certos conectores e/ou construções vem-se mostrando relevante, em alguns casos, para os fenômenos analisados.